Devaneios Pensamentos

No espelho do tempo…

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Tem dias que a gente não se reconhece no espelho. E, a medida que o tempo passa, parece que isso fica cada vez mais frequente. Deve ser por isso que faz tempo que evito o espelho. Sempre critiquei as pessoas que conversavam sem olhar nos olhos, e agora me vejo fazendo o mesmo: não consigo fitar meus próprios olhos no espelho. Nas últimas vezes em que o fiz, encontrei um olhar cansado, mas, mais que isso, um olhar acusador. Sim, meu próprio olhar me acusa. Lembro que na primeira vez que isso aconteceu eu tentei disfarçar, fingir que não era comigo… procurei focar numa nova ruga no canto da pálpebra, num fio de cabelo branco… Depois disso, passei a me encarar com uma certa desconfiança, um temor, e até mesmo um respeito. Encarar é modo de dizer, na verdade, procurei mudar a perspectiva e cheguei mesmo a culpar meus óculos, que talvez já tivessem que ser trocados. As luzes auxiliares já não são mais acendidas, de forma que a suave penumbra que me sombreia a face me impeça de viver este momento constrangedor.
A louca do espelho me acusa. Sem a menor piedade, ela me despe das armaduras da reserva e da maquiagem, e escancara o resultado do tempo e do que ele fez comigo. Ele? … sorrio amargamente… a louca não me culpa pelo tempo. Ela apenas comanda o desfile implacável dos sonhos atropelados pela rotina a que nos obrigamos. A louca despe-me. E me obriga a ver o que não quero. Os sorrisos forçados, as lágrimas represadas, as verdades engolidas. Tudo isto sufoca-me, asfixia. E a louca ri-se de mim!
Através de uma pequena fresta, vejo o sol. Vejo a criança que fui, a inocência passeia serenamente de braços dados com a alegria. Calo. Não há o que dizer. Não há o que fazer agora. Apenas conviver com a realidade fria do que fiz comigo. Sob a penumbra, fragmentos de sonhos abandonados agonizam silenciosamente, enquanto o tempo, este algoz, ri-se desavergonhadamente.

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